A ilusão de Márquez
- Vítor Leal Barros

- 25 de set.
- 2 min de leitura
«Descubrí que no soy disciplinado por virtud, sino como reacción contra mi negligencia; que parezco generoso por encubrir mi mezquindad, que me paso de prudente por mal pensado, que soy conciliador para no sucumbir a mis cóleras reprimidas, que solo soy puntual para que no se sepa cuán poco me importa el tiempo ajeno. Descubrí, en fin, que el amor no es un estado del alma sino un signo del zodíaco.», in ‘Memórias de mis putas tristes’, de Gabriel Garcia Márquez.

Li ‘Memórias das minhas putas tristes’ sem o deslumbramento que esperava de Márquez. O livro pareceu-me brando, quase esquecido de si, como se falasse já de um lugar de declínio. No fundo, não há história de amor, apenas a idealização dela. O velho inventa um amor absoluto, mas unilateral. Delgadina nunca lhe fala, nunca lhe retribui, nunca existe para além do silêncio. Ela é só corpo adormecido, matéria para a sua fantasia.
Percebo agora que o romance é mais sobre a ilusão de amar do que sobre o amor em si. É a encenação de um imaginário comum à geração de Márquez, o mito masculino da pureza do amor vivido sem reciprocidade, como se bastasse contemplar a inocência feminina para se acreditar salvo. Não há alteridade, apenas projecção. Um amor sem realidade, mas que lhe serve de consolo na hora final.
Talvez por isso o livro me soe tão melancólico. Não é uma celebração do amor, mas o retrato de um homem que nunca o viveu de facto e que, à beira da morte, inventa-o para si mesmo. Saliento o parágrafo acima, pelo menos o personagem viu e aceitou as sombras. Até a do amor.
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