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Trás-os-Montes, e Chaves em particular, são o cenário paisagístico onde se desenrola a acção de Hotel La Solitude. Fazia-me, por isso, todo o sentido fazer uma apresentação precisamente na cidade que inspirou o livro. Estarei em Chaves no dia 12 de Dezembro, às 17h30, em conversa com a Maria Isabel Viçoso, dinamizadora do Grupo Cultural Aquae Flaviae, na Biblioteca Municipal. Falaremos do espaço físico da obra e de outros aspectos mais escondidos, onde a vida real se reflecte nas páginas.


A entrada é livre.



 
 
 
  • Foto do escritor: Vítor Leal Barros
    Vítor Leal Barros
  • há 1 dia
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Em ‘Thomas o Obscuro’, Maurice Blanchot não conduz o leitor através de uma história, mas de um estado. A obra não narra, prepara uma experiência. O que nela se joga não é a sequência dos acontecimentos, mas a lenta erosão do eu como centro, a abertura de um espaço suspenso onde a consciência se fragmenta e o sujeito deixa de ser o lugar seguro de si mesmo. Não se trata de perda pura, mas de deslocamento: o eu torna-se margem, intervalo, zona de instabilidade entre presença e ausência.


Esse estado encontra ressonância no que Clarice Lispector designa em ‘Água Viva’ por «estado de graça»: não uma iluminação explicável, mas uma intensidade sem forma, um instante em que a vida se apercebe a si mesma sem se organizar em narrativa. Trata-se de uma claridade sem objecto, de uma percepção que não captura, mas é atravessada. Não é conhecimento; é contacto, uma verdade ontológica.


A tensão central do livro manifesta-se nessa exigência de despojamento radical:


«Era-lhe necessário, durante vidas, polir o seu pensamento, desembaraçá-lo de tudo aquilo que faz dele um miserável bazar, o espelho que se olha a si mesmo, o prisma com sol interior: era-lhe necessário um eu sem a sua solidão de vidro, sem esse olho atingido há já tanto tempo de estrabismo, o olho cuja suprema beleza consiste em se entortar o mais possível, o olho do olho, o pensamento do pensamento.»


O que Thomas procura não é uma identidade mais sólida, mas uma forma de libertação do olhar fechado sobre si. Deseja um pensamento que deixe de se reflectir obsessivamente, um eu sem a solidão de vidro, sem a tirania do espelho. O seu movimento não é de construção, é de desgaste. Ele não quer acumular, quer subtrair. Quer chegar a um ponto em que pensar deixe de ser apropriação e se torne passagem.


No seu último livro, ‘A inteligência natural e a lógica da consciência’, António Damásio sublinha que a consciência é sempre subjectiva e específica de cada sujeito, estruturada a partir dos sentimentos que formam a «mente que sente». Blanchot parece inverter esse processo: dissolve o eu reflexivo e linguístico para regressar à experiência primordial do sentir, antes de qualquer organização ou mediação do sujeito. Não se trata de ciência, mas de literatura que encena o descentramento do eu, permitindo ao leitor tocar um sentir puro, único e irrepetível.


É neste mesmo limiar que Anne, a personagem feminina, se inscreve. A sua digressão não aponta para a morte como cessação, mas para uma zona indistinta onde a vida já não se organiza em fronteiras claras. Ela situa-se na borda, nesse espaço instável onde o ser se esvazia das suas formas habituais, e é precisamente aí que Thomas a sente pela primeira vez como verdadeira. Não uma identidade mais rica, mas uma identidade nua. Não uma personagem mais consistente, mas uma presença irredutível.


Entre Thomas e Anne não há verdadeiro diálogo, mas uma espécie de ressonância silenciosa. Não se encontram na linguagem, mas nos interstícios da consciência. Avançam em movimentos paralelos de descentramento. Cada pensamento de Thomas parece ecoar na presença e na ausência de Anne, como se ambos habitassem o mesmo intervalo, sem nunca verdadeiramente o partilharem. O que os liga não é a proximidade, mas uma espécie de vizinhança no vazio.


Escrever ‘Thomas o Obscuro’ foi, com toda a probabilidade, um gesto extremo. A linguagem parece sempre insuficiente, curta, frágil diante da experiência que o texto procura tocar. As palavras não fixam; falham. E é nesse fracasso que o livro encontra a sua verdade. Blanchot não explica a dissolução do eu, encena-a. Faz da frase um corpo que se contorce, que se dobra sobre si mesmo, que se aproxima do seu próprio desaparecimento. A escrita não descreve o limite, torna-se o próprio limite.


A obra não oferece respostas nem conclusões fáceis. Oferece vertigem. Entrega o leitor à instabilidade, força-o a perder as referências habituais, a abandonar a ilusão de um centro. O eu surge não como substância, mas como instante, como suspensão, como abertura. Há uma borda do ser que o texto não nomeia, mas torna sensível. Ali a vida não se organiza, pulsa. E é nesse ponto breve, quase insuportável, que se toca o impossível.

 
 
 
  • Foto do escritor: Vítor Leal Barros
    Vítor Leal Barros
  • há 2 dias

Senti-me muito confortável na apresentação de Braga. Falei dos bastidores do meu processo criativo, da forma como a fotografia e a arquitectura se insinuam na escrita e a moldam.

Quero agradecer à Dra. Aida Alves, à Dra. Maria Noronha e a toda a equipa da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva pela forma calorosa como me receberam, à Eduarda Ferreira pelas maravilhosas leituras, à Ângela Moreira e à Sílvia Alvadia pelo apoio na organização.

Muito obrigado a todos os que estiveram presentes. Foi bom reencontrar amigos que já não via há muito tempo.



 
 
 
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