Igreja do Divino Salvador Church, a vontade do silêncio
- Vítor Leal Barros

- 9 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de set.
Igreja do Divino Salvador, a vontade do silêncio.
Projectar um edifício religioso, em concreto uma Igreja Católica, é um exercício que todos nós, arquitectos, desejamos. Desejamo-lo desde muito cedo, ainda no tempo de formação, quando os nossos professores são livres de enunciar o programa da disciplina de projecto, estimulando-nos a estudar e a desenvolver sentido crítico sobre este ou aquele tema.
Na universidade tive essa sorte. Talvez os ecos que a Igreja de Santa Maria, de Siza Vieira, provocaram no panorama arquitectónico nacional e internacional, tivessem despertado os meus professores a atribuir-nos como exercício o desenvolvimento de um projecto para uma igreja no Porto, na zona da Foz do Douro. Lembro ter sido um exercício que aguçou a criatividade, sobretudo no encontrar escapatórias que afastassem a minha proposta da então recente construção de Siza. Quanto ao espaço litúrgico e à sua riqueza simbólica, à tradução dos signos num pensamento coerente e crítico, a questão foi levada com menor afinco. Talvez por se tratar de um exercício académico, ou porque se constroem poucas igrejas e eu não avistasse no meu futuro profissional a construção duma. Mal adivinhava!
Há dez anos atrás, fui convidado pelo Pe. Manuel Brito para a realização do projecto da nova igreja de Freamunde. Percebi no mesmo dia que estava diante de um dos maiores desafios da minha vida profissional. Foi um dia bipolar, feito de sonhos e medos, com todo o respeito que a oportunidade me merecia. As circunstâncias impediam-me de desassociar o processo do projecto da minha vida pessoal. A uma reflexão sobre o lugar, que conhecia desde menino, juntaram-se outras mais profundas sobre espaço cristão e fé.
Numa leitura de Juan Plazaola deparei-me com a frase que me deu o mote para o desenvolvimento do projecto. Escrevia o teólogo “façamos das nossas igrejas ilhas de paz e silêncio”. Pensei, um trabalho de fé é tarefa para uma vida e talvez não chegue, mas sobre esse ‘silêncio’ que fala, eu creio saber alguma coisa. Precisava de um filtro, um elemento que estabelecesse a transição entre a rua e o templo, entre a ebulição do mundo e a serenidade da tal ilha de silêncio que vislumbrava. Nasce o adro, o elemento distribuidor do projecto, presente em todos esquissos desde as primeiras fases.
Sabia ainda que não queria que a nova igreja competisse com a antiga Igreja Matriz. Tinha-lhe respeito, pela arquitectura, e pelos factos e memórias que lhe associava. Nela casaram-se os meus pais, nela fui baptizado, nela tinha velado o meu pai. Sabia que os dois edifícios deveriam coexistir de uma forma serena e equilibrada, sem que a importância de um anulasse a do outro, sem que o novo roubasse protagonismo ao velho ou a ele se reverenciasse. Toda a volumetria da nova Igreja de Freamunde foi desenhada procurando, em cada traço, esse equilíbrio. Hoje, ao percorrer o espaço quase totalmente construído, penso ter conseguido a simbiose entre os dois templos. Ao olhar o lugar, a antiga igreja Matriz e a nova Igreja parecem elementos do mesmo conjunto, quase indissociáveis, ainda que os dois edifícios revelem sem pudor a sua expressão e personalidade. No horizonte de Freamunde ressurge o antigo campanário abraçado a um cubo de luz, ambos convidando ao mesmo encontro.
Foi na procura do entendimento das necessidades reais da comunidade, aliada ao estudo do espaço cristão e da renovação litúrgica impulsionada pelo Concílio do Vaticano II, que revolvi a minha imaginação no sentido de procurar dar ao projecto uma resposta contemporânea adequada. Tentei numa análise crítica, compreender o simbolismo e importância de cada elemento litúrgico e materializar uma resposta responsável, através de opções formais claras, algumas manifestamente novas, outras reinterpretando o legado da História, num gesto similar ao raciocínio de Bachelard de evocação das memórias do espaço. O tempo ditará se o consegui ou não.

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